Por Paulo Maximilian Wilhelm Schonblum
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Professor da Universidade Estácio de Sá, da EMERJ, UFF e IBMEC das disciplinas Direito do Consumidor e Responsabilidade Civil. Mestre em Direito. Membro do IAB. Advogado.
Acordei e, como de hábito nos finais de semana, após a higiene matinal, busquei diversão nas notícias do jornal de domingo. Seria uma leitura usual, daquelas que fazem passar o tempo e nada acrescentam (lembro, era domingo) caso não fosse a notícia[1]. (de página inteira) sobre o pagamento de indenização por danos morais a um cliente que ficou mais de 30 minutos na fila de um certo Banco.
O artigo, de conteúdo inédito, acabou com minha sonolência e despertou meus instintos doutrinários, transformando a manhã de descanso em de reflexão .
Lendo a matéria, verifiquei ter a ínclita Juíza prolatora se fincado nos auspícios da Lei Municipal 3.018 de 04 de novembro de 1999 (de Nova Iguaçu) que prevê um tempo máximo de atendimento de 20 minutos nos dias normais e 30 minutos em vésperas ou depois dos feriados.
Não pretendo discutir a constitucionalidade da referida legislação[2], venho tratar do dano moral propriamente dito mas, abro um pequeno e indagador parêntesis, para saber: Que moral (perdões pelo trocadilho) tem o Município para exigir que os outros prestem pronto atendimento? Qual o exemplo por ele prestado? Qual o órgão municipal que pode ser apontado como exemplo de eficiência? O que falar das filas nos hospitais, postos de saúde e, também, para matrícula nas escolas municipais?
Migrando para as atividades do Estado temos os exemplos da demora no pagamento dos precatórios, o do judiciário e também dos hospitais. No caso da União Federal apontamos a devolução dos empréstimos compulsórios, da correção do FGTS, as filas do INSS etc.
Assim, concluindo e fechando o parêntesis, afirmo que tal exigência é exemplo típico de controle sobre o trabalho dos outros sem, contudo verificar o seu próprio, como aquela estória popular do rabo do macaco. O Município não tem bancos! E, parece não ter rabo!
Tratando do dano moral, faz-se necessário, preliminarmente, conceituar, situá-lo em nosso ordenamento e, somente após, analisar sua incidência no caso sob análise.
Conceituando, tem-se que os danos morais são lesões sofridas pela pessoa, atingindo não o seu patrimônio, mas sim aspectos íntimos de sua personalidade (intimidade e consideração pessoal), ou a própria valoração da pessoa no meio em que ela vive e atua (reputação e consideração social)[3].
Não se pode olvidar que, desde os primórdios, existiu a corrente daqueles que negavam a existência do dano moral. O principal argumento residia no fato de não se poder pagar um preço pela dor. Todavia, passados os anos, não mais se encontrou guarida para tal discussão, sendo superada a argumentação e plenamente indenizáveis as lesões geradoras de danos morais.
Em assim sendo, verificou-se, então, uma grande dificuldade em quantificar o sofrimento e a angústia das pessoas. Na verdade, a perda de um ente querido, decorrente de um ato ilícito, a deformidade física permanente ou o abalo da idoneidade de alguém não têm preço, não são indenizáveis (no exato sentido desta palavra: tornar indene), mas meramente compensáveis[4].
Surgiu, daí, dessa dificuldade, e da má aplicação do instituto a corrente daqueles que pregam a chamada “industrialização do dano moral”, usando também as expressões “vulgarização do dano moral” e “banalização do dano moral”.
Em nova evolução, concluiu-se que a chamada “Indústria do dano moral” era uma construção daqueles que tinham interesse em retirar a importância do instituto, perdendo, portanto, apoio de doutrinário e jurisprudencial. Sobre o ponto assim asseverou o mestre ARAKEN DE ASSIS
“ Com tais proposições, honestamente, não posso concordar. Em geral, elas provêm de contumazes contraventores de regras de conduta e de litigantes contumazes, interessados em minimizar os efeitos dos seus reiterados atos ilícitos. Ao contrário do que se alega, é imperioso, na sociedade de massas, inculcar respeito máximo à pessoa humana, freqüentemente negligenciada, e a indenização do dano moral, quando se verificar ilícito e dano desta natureza, constitui um instrumento valioso para alcançar tal objetivo.”[5]
De outro lado, a sentença apresentada pelo jornal, cria para o cliente uma indenização de 6 salários mínimos (atuais R$ 1.080,00) por ele ter permanecido mais tempo na fila do que o Município, através de seus ilustres vereadores, julgou adequado. Será que ocorreu algum fato grave gerador de danos morais.
Utilizando das palavras do insuperável SERGIO CAVALIERI FILHO, verificamos que o dano moral, albergado no inciso III do artigo 1º da Constituição da República, tem fundamento na proteção da dignidade humana:
“Temos hoje o que pode ser chamado de direito subjetivo constitucional à dignidade. Ao assim fazer. A Constituição deu ao dano moral uma nova feição e maior dimensão porque a dignidade humana nada mais é do que a base de todos os valores morais, a essência de todos os direitos personalíssimos. (...) Pois bem, dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que violação do direito à dignidade”
Ainda com o professor e desembargador carioca, compreendemos que os problemas cotidianos e os meros aborrecimentos do dia-a-dia não se configuram como danos morais passíveis de indenização.
“ Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.”[6]
Assim sendo, resta concluir o presente artigo com as seguintes certezas: O Município, o Estado e a União não prestam serviços adequados à população mas o primeiro quer exigir que os bancos assim o façam. Não ocorre dano moral, nem ao “homem-médio” e nem mesmo ao “ultra-sensível”, pelo fato de permanecer algum tempo na fila do banco pois, não há nenhuma violação a aspectos da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CRFB/88).
Sugerimos que o Município, preocupado com o atendimento e filas nos bancos, institua um tempo razoável e cumpra este mesmo tempo em seus órgãos (hospitais, escolas, repartições etc.) trazendo, assim, enorme benefício à sociedade.. De outra banda, nos casos de Ações judiciais em que são pleiteados danos morais fulcrados na referida Lei Iguaçuana, salientamos que a legislação estipula multa e esta tem caráter administrativo, não podendo ser convertida em indenização pessoal, criando um dano moral em situações que o mesmo não existe.
Vingando a tese da indenização concedida ‑ R$ 1.000,00 por 30 minutos de fila ‑ e, diante do alto grau de desemprego, estaríamos criando, com certeza, uma nova e lucrativa profissão, os “caça-filas”.
[1] Jornal “O Globo” de 09.12.01, Caderno Economia, p. 40
[2] “É inconstitucional Lei Municipal que fixa o prazo máximo para realização de atendimento bancário, porque é da União a competência para legislar sobre as matérias que dizem respeito às regras de funcionamento dos bancos.” (TJMG – Processo nº 229697-8/00, DO 26.10.2001); “BANCOS. Tempo de atendimento a cliente. Lei Municipal. Competência da União. Os bancos, ainda que possuam agência em determinado Município, prestam serviços de interesse nacional, pelo que há ofensa à Constituição da República a fixação de normas, por meio de lei municipal, que estabeleçam o tempo para atendimento aos clientes.” (TJMG – Processo nº 214680-1/00, DO 18.10.2001); “É da União a competência para legislar sobre o funcionamento do instituição bancária, agindo com abuso de poder o Município que edita lei impondo limite máximo de tempo ao atendimento aos clientes. Em que pese a previsão do art. 30, I da Constituição Federal, não pode o interesse local, ainda que existente, suplantar o interesse do estado, violando o princípio da autonomia de tratamento” (TJMG – Processo nº 220680-3/00, DO 11.10.2001);
[3] SCHONBLUM, Paulo Maximilian Wilhelm. Danos Morais: Questões Controvertidas. Forense, 2000, p. 09
[4] ibiden., p. 116
[5] ASSIS, Araken. “Indenização do dano moral”, Revista Jurídica, n. 236, jun. 97, p. 5
[6] CAVALIERI FILHO, Sergio. op. cit. p. 78