Deputada Federal Jandira Feghali
Historicamente, a mulher foi vítima da dominação masculina. Impedida de estudar, votar ou participar ativamente das decisões mundiais, viveu apagada por muitos séculos. Os tempos evoluíram, mas os resquícios do nosso passado, imperado pelo machismo, ainda estão presentes na nossa sociedade.
A violência contra a mulher desconhece as barreiras geográficas, étnicas, religiosas, de classe ou de instrução. Somente no Brasil, cinco mulheres são agredidas a cada dois minutos. Isso significa que pelo menos 7,2 milhões de brasileiras com mais de 15 anos de idade já sofreram algum tipo de violência doméstica.
A Lei Maria da Penha, relatada por mim na Câmara dos Deputados, foi criada para coibir e punir – definitivamente - a violência doméstica contra a mulher. O nome é uma homenagem à biofarmacêutica cearense que sofreu duas tentativas de homicídio. Numa delas, o resultado foi a perda dos movimentos de seus membros inferiores.
Para que essa lei contemplasse nossas diferenças regionais, viajei por todas as regiões do Brasil e colhi dados de especialistas, militantes e vítimas da violência doméstica. Constatei que a agressão contra mulher ultrapassa os limites das agressões físicas. Sequestro de bens e dominação psicológica podem gerar traumas insuperáveis, tanto à mulher quanto aos seus filhos. Lutei para que esse tipo de violência deixasse de ser considerado como crime de menor potencial ofensivo. O fruto desse trabalho minucioso foi a promulgação, em 7 de agosto de 2006, de uma lei inovadora e abrangente em defesa da integridade física, material e psicológica das brasileiras.
Em quase cinco anos de existência, a Lei Maria da Penha já salvou muitas vidas. Por meio de medidas protetivas às mulheres em situação de risco, os agressores considerados mais violentos têm sido afastados do lar. Hoje, a lei é nacionalmente conhecida e conta com pelo menos 85% de aceitação popular. Internacionalmente, a Lei Maria da Penha foi reconhecida pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (ONU Mulher) como uma das três leis mais avançadas do mundo, entre 90 países que têm legislação sobre o tema.
Infelizmente, nem a aprovação dos brasileiros, tampouco o reconhecimento mundial resultam suficientes para assegurar o efetivo cumprimento da lei. Como fruto da herança patriarcal em nosso país, muitas autoridades vêm se recusando a aplicá-la. São magistrados que interpretam incorretamente a lei; policiais que não cumprem as medidas protetivas adequadas, assistentes que deixam de prestar o apoio psicológico necessário, seja por falta de conhecimento ou de recursos financeiros.
Para que uma lei tão importante como essa seja realmente cumprida, o poder público deve atuar em harmonia. Não basta apenas existir, ela precisa ser corretamente aplicada em todos os cantos do país. Esse é um fator determinante na sobrevivência de milhares de mulheres brasileiras, em sua grande maioria mães e chefes de família.
Com o objetivo de sensibilizar as autoridades e mobilizar a sociedade em defesa das mulheres, decidimos iniciar uma campanha nacional para exigir o cumprimento da Lei Maria da Penha. Desde que assumi o quinto mandato na Câmara dos Deputados, tenho trabalhado – com o indispensável apoio da bancada feminina no Congresso - para estabelecer parcerias e consolidar o apoio das mulheres que ocupam posição de comando ou liderança em todo país para fortalecer a luta e eliminar qualquer forma de desrespeito à lei.
O “Roteiro Feminino do Poder”, como vem sendo chamado esse trabalho, é uma ampla campanha de mobilização social que pretende agregar o apoio de personalidades femininas de todas as áreas como magistradas, artistas, lideranças e autoridades políticas, como a própria presidente Dilma Rousseff. A caravana foi iniciada no Rio de Janeiro por meio de um encontro realizado na OAB Mulher e depois de uma visita à delegada Martha Rocha - primeira mulher a chefiar a polícia civil do Estado do Rio e ex-coordenadora das DEAMs. Essa semana(14/04/2011 ), em Brasília, participamos da primeira reunião que marcou a continuidade da caravana. A Ministra da Secretaria Especial de Políticas Públicas para Mulheres, Iriny Lopes, nos recebeu em audiência e manifestou apoio e interesse em acompanhar a Bancada Feminina durante as futuras visitas. Os próximos encontros previstos são com as ministras Hellen Gracie e Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), e Fátima Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Depois de Brasília, pretendemos prosseguir com visitas e reuniões por todas as regiões brasileiras, sensibilizando prefeitos, governadores, magistrados e representantes dos movimentos sociais para vencermos a indiferença machista que responde pelo descumprimento da lei. Por um país menos violento e mais respeitoso com suas mulheres, fica aqui o nosso apelo: Lei Maria da Penha - cumpra-se!
Jandira Feghali é deputada federal pelo PCdoB-RJ e relatora da Lei Maria da Penha.