Por Jorge Ribeiro
Você conhece o CEDINE, ou melhor, o Conselho Estadual do Direito do Negro?
De acordo com um dos nossos internautas, o nome é pomposo, mas o mesmo pergunta: ”O negro tem realmente algum direito específico em nosso país?”.
Essa e outras questões foram debatidas durante entrevista com o presidente da entidade Paulo Roberto dos Santos Paulão. Agradecimentos especiais ao jornalista Thales Maciel e demais convidados que participaram desta entrevista, enviando-nos perguntas que foram encaminhadas ao entrevistado.
Thales Maciel: Quais ações são desenvolvidas para que personagens marcantes da nossa História, como é o caso do Marinheiro João Cândido, líder da Revolta da Chibata, não sejam esquecidos, principalmente pelos estudantes brasileiros?
Paulo Roberto: As mesmas que realizamos com o Líder Zumbi dos Palmares, com a diferença que este resistimos desde a Ditadura e o Marinheiro João Cândido, temos multiplicado mais esforços nestes novos tempos democráticos. Um exemplo histórico foi em 2008 quando o Presidente Lula veio ao Rio inaugurar o Busto dele na praça XV no Rio de Janeiro, após obatáculos da Marinha do Brasil, que ainda o tem como subversivo. Pois antes disso o Busto havia sido inaugurado pela ex-Ministra da Igualdade Racial Matilde Ribeiro no Palácio do Catete, em 2007.
Revista Juris: O que o CEDINE tem realizado de concreto em relação aos afro-brasileiros ?
Paulo Roberto: Na condição de primeiro Conselho de Estado do Brasil, o CEDINE, tem interagido com as Secretarias de Educação, com relação a implementação do ensino da África e da cultura afro-brasileira calcados na lei 10.639/2003; de Saúde, relacionada a saúde da população negra, destacando a doença/anemia falciforme, entre outras de maior incidência; de Trabalho, a fim das oportunidades empregatícias e sobretudo procurando resgatar o Decreto 4228/2002 que versa sobre cotas para a empregabilidade como também com as Universidades do Estado, a fim da ampliação e o fortalecimento do Sistema de Cotas, garantido pelo Governador Sergio Cabral, cuja UERJ foi pioneira.
Acompanhamos ainda os registros e crimes de discriminação racial junto com a Defensoria Pública, o Ministério Público e a Subsecretaria de Direitos Humanos. Organizamos o mês da Consciência Negra em novembro com o ápice no dia 20 no Monumento à Zumbi dos Palmares, resgatado no governo Sergio Cabral com políticas públicas e grandes espetáculos. Criamos ainda um site modernissímo - www.cedine.rj.gov.br - assim como publicamos o Regimento Interno e dispomos de uma infraestrutura material e pessoal valorizados atendendo as demandas internas e externas públicas e da sociedade civil, entre outras também significativas, como a criação da Coordenadoria de Igualdade Racial do Município do Rio, criada a nosso pedido em encontro de campanha do então candidato a Prefeito, Eduardo Paes.
Revista Juris: O CEDINE veio brigar realmente pelos nossos direitos ou é mais um órgão a ser tutelado pelo Estado?
Paulo Roberto: O CEDINE é composto de 21 conselheiros natos e 03 suplentes, sendo: 06 da Administração Pública e 18 da sociedade civil representativa da igualdade racial. Há ainda um quadro com 100 conselheiros de honra.Neste sentido, não há como ser tutelado. Há sim da parte do atual governo estadual um expresso comprometimento que tem edificado o avanço das conquistas rumo a igualdade no Rio de Janeiro. Não obstante, somos responsavelmente independentes.
Revista Juris: Acredito que a população, particularmente os afro-descendentes, não conhecem o CEDINE. O senhor pretende divulgar os serviços do CEDINE?
Paulo Roberto: Já há esforços neste sentido e aos poucos visibilizam-se. Temos somente 07 anos de idade e a lentidão burocrática somada as inúmeras insensibilidades público-privada, para não afirmar a existência ainda de muitos preconceitos e discriminação. Mas até já somos bem divulgados. As duas conferências estaduais e nacional que participamos ajudaram bastante. É claro que além dos militantes da causa é fundamental a participação através do conhecimento de toda a população, prioritariamente a historicamente excluída.
Revista Juris: O CEDINE já participou de algum episódio que tenha transformado a vida de algum afro- brasileiro ? Cite exemplos.
Paulo Roberto: Vários. 1- Quando o TJ/RJ interveio no Sistema de Cotas das Universidades do Rio, no sentido da sua inconstitucionalidade, nos juntamos a grande mobilização na entrada do mesmo e fomos convidados pelo Governador Sergio Cabral ao seu Gabinete falarmos para toda a imprensa sobre aquela injustiça. Em seguida fomos a 1ª audiência pública no STF dessa matéria com base no julgamento do Sistema de Cotas da Universidade de Brasília. E, ato contínuo, o TJ/RJ reconheceu a constitucionalidade do Sistema do Rio. Essas ações com certeza transformaram a vida de milhares de estudantes universitários que podem hoje de igual participar de concursos e trabalhos qualificados.
2 - Acompanhamento vitorioso de três casos: um de discriminação racial sofrido pela senhorita Aghata Damasceno de Jacarepaguá contra uma produtora cinematográfica, Ana Cristina no Down Town da Barra da Tijuca, cuja produtora teve como pena prestação de serviços comunitários. É claro que queríamos a continuação da sua prisão. No entanto foi relaxada por um desembargador. O outro, ainda em andamento é de um casal: uma negra e um índio de Saquarema, por posse legal de terras mas foram chamados de macacos e que somente poderiam morar em baixo delas.
3 - O caso do estudante de 10 anos Ruam que foi chamado de frango de macumba pela professora na escola no bairro de Campo Grande. Várias audiências já se efetivaram e junto a direção daquela escola e a Prefeitura, afastamos a professora racista. Aguardamos o julgamento conclusivo.
Essas ações do CEDINE a das respectivas defensorias e algumas delegacias, certamente mudaram as vidas dessas pessoas. No mínimo se conscientizaram e tiveram a sua estima edificada.
Revista Juris: Como o CEDINE pode contribuir pela união dos afro-brasileiros. Eu acho que nós negros deveríamos nos unir mais e não nos isolarmos diante dos problemas da exclusão. O que o senhor acha?
Paulo Roberto: Sem dúvida. No entanto, é preciso um esforço de todos, sobretudo daqueles que trabalham a igualdade racial no seu dia-a-dia. Essa visão coletiva e não segmentada é a chave para o nosso salto de qualidade rumo a ocupação de espaços público-privados chamados de inclusão e maior tolerância as nossas formas diversas.
Revista Juris: As desigualdades continuam persistindo.Nos colégios particulares, frequentados pela elite, quase não se registra a presença de negros. Por outro lado, os afros são a maioria na fila de empregos e nos presídios e ainda assim, há quem seja contra o sistema de cotas. COMO REVERTER TAL SITUAÇÃO ?
Paulo Roberto: É um fato. Mas hoje é menor do que ontem. Fruto da nossa luta. Por outro lado, defendemos uma escola pública de qualidade. Assim como mais postos de empregos e consequentemente a ressocialização dos ex-presidiários.
Tudo na vida é consistência e cultura. À medida que o Sistema de Cotas tiver as suas origens e os seus fins esclarecidos mas sobretudo seus resultados, os entendimentos se viabilizarão mais convincentemente. É o senso de justiça se aflorando. Assim foi nos Estados Unidos e outros países compostos de diversidade racial.
Revista Juris: O nome é pomposo: Conselho Estadual do Direitos do Negro. Mas, afinal, de que Direito está se falando? Vivemos num país cheio de leis, mas adota Justiça bem questionável. Vivemos numa democracia elitizada. Se não houver a participação realmente politica, tudo isso (Estatuto da Igualdade Racial) ficará no papel. Agora que foi reeleito, até que ponto o Governador Sérgio Cabral estará presente nessa verdadeira cruzada em prol dos nossos direitos ?
Paulo Roberto: O Governador Sérgio Cabral é vanguarda da nossa causa, independente de estatuto e de reeleição. Se o Brizola nos incluiu, o Sérgio Cabral nos investiu. Todos nossos projetos sérios e sugestões ele está junto. Não só com o Presidente e o Prefeito, mas com os nossos segmentos religiosos de matrizes africanas, quilombolas, artistas, empresários, capoeiristas (ano passado tombou a capeira como patrimônio imaterial), cotistas etc...
O nome do CEDINE não é só pomposo, reflete a dignidade que nunca deviam ter nos negado.
Revista Juris: Acredito que se o governador Sérgio Cabral abraçar a causa, o CEDINE torna-se-á um grande exemplo para todo o país. O senhor poderia nos informar o que foi realizado pelo governador, na gestão anterior, no que diz respeito à luta conta a exclusão dos afro-descedentes no Rio de Janeiro ?
Paulo Roberto: Além dos exemplos acima, o CEDINE hoje possui um quadro funcional com 06 competentes e comprometidos funcionários. Até a chegada do Governador, só havia o Presidente e um ou outro cedido, assim como não dispúnhamos de veículo próprio. Hoje dispomos.
Não fosse o Governador não haveria homenagens à altura, como hoje ao Herói Zumbi dos Palmares. Todo ano, nos recebe e autoriza uma verba significativa nunca antes autorizada por nenhum governante do Rio. Sem falar que deveria ser uma responsabilidade da Prefeitura.
Criou ainda a Superintendência da Igualdade Racial, cuja Atriz e Cantora Zezé Motta encontra-se à frente, como Superintendente.
Escolheu, numa lista quíntupla, um Desembargador, o único negro nos quadros do TJ, Dr Paulo Rangel. É, o segundo na história daquela côrte.
Instalou dezenas de UPAs e UPPs para a saúde e a pacificação dos mais necessitados majoritariamente pobres e negros.
Poderíamos elencar outros significativos exemplos mas quem acompanha a trajetória da família Cabral e do seu governo, com espírito desarmado, minimamente sabe que estamos em inequívoca progressista companhia.
Revista Juris: Entre outras coisas interessante, que encontramos no ESTATUTO, duas chamaram a nossa atenção : Incentivo aos empreendedores afro-descendentes e a empregabilidade. O senhor poderia nos falar mais a respeito?
Paulo Roberto: Com prazer. Tentaram nos rotular na história de somente sermos serviçais, esportistas e sambistas. No entanto, temos múltiplos talentos que uma vez possibilitados de lapidar descobrir-se-á especialidades comprimidas pela ação discriminatória e de exclusão de ontem. Por isto, as ações afirmativas são necessárias para saltar a pseuda inferioridade.
Dito isto, é fácil compreender a vocação de muitos e muitas afros-descendentes de empreender e de tornarem-se especialistas em atividades até então exercidas somente pelo perfil dominante.
O Estatuto da Igualdade Racial evidenciou o que já era fato. Mas ainda estava nas trevas. Hoje, nós podemos, também, tais quais Mandela, Obama e outros.
Viva o Brasil e o povo brasileiro rumo a igualdade racial. O CEDINE é um dos nossos instrumentos.
Bom que haja iniciativas como estas. Parabéns!
Os direitos dos negros precisam ser respeitados.